Esse momento é fundamental para os movimentos sociais e comunidades costeiras que denunciam e combatem a atividade desde a década de 1990. Após um período de ápice produtivo, a carcinicultura entrou em declínio e, atualmente, 70% das fazendas de camarão dos Ceará estão abandonadas. Entre as razões que desencadearam a decadência da atividade está a sua insustentabilidade ambiental, que provocou o surgimento de doenças virais que dizimaram grande parte da produção de camarões cultivados.
No entanto, mesmo com todas as denúncias de agressões ambientais, violação de direitos humanos e descumprimento das leis ambientais, que já foram realizadas contra a carcinicultura, ainda se mantém um discurso de que esta é uma atividade capaz de gerar emprego e renda. A pergunta é: para quem e a que custo isso se realiza? Milhões de reais (oriundos de financiamentos públicos) já foram investidos nessa atividade. Atualmente, com a alta do dólar, o mercado externo voltou a ser atrativo para o setor e possibilidades de mais investimentos para sua reativação são estudadas.
É nesse contexto que a audiência do dia 20 de novembro se configura como fundamental para que movimentos sociais, fóruns, redes e comunidades costeiras e índigenas reafirmem que é necessário dizer NÃO à carcinicultura e reparar as áreas degradadas.
Por isso, o FDZCC e as comunidades esperam contar com a presença e o apoio de todas as pessoas que acreditam que é possível lutar por justiça ambiental.
O Instituto Terramar ainda revela 13 razões para dizer NÃO a carcinicultura. São elas:
1.Propaga um falso discurso de emprego e renda: a chegada da carcinicultura é sempre acompanhada de promessas de geração de emprego e renda. No entanto, isso não se configura como realidade, uma vez que os empregos gerados são precarizados pela falta de formalização e exposição dos/as trabalhadores/as a jornadas de trabalho exaustivas. No Ceará, no máximo 1 pessoa é empregada para cada hectare de viveiro de camarão (mesmo assim, esse emprego é sazonal e precarizado) .
2.Viola os direitos humanos: diante da resistência à expansão da carcinicultura, as comunidades sofrem violência física e psicológica. Casos de assassinatos e torturas, relacionados à atividade, já foram denunciados à justiça no Ceará e em outros estados.
3.Ameaça à saúde dos/as trabalhadores/as: o metabissulfito de sódio é um produto químico amplamente usado na despesca do camarão. Ao reagir com a água, o metabissulfito libera dióxido de enxofre (SO ), gás que causa irritação na pele, nos olhos, na laringe e na traquéia. Esse é considerado um agente de insalubridade máxima pela Norma N. 15 do Ministério do Trabalho. Doenças respiratórias, de pele e óbitos provocados pela exposição ao produto já foram identificados no Ceará.
4.Ameaça à integridade dos manguezais: a carcinicultura é responsável por inúmeros impactos ambientais vinculados ao ecossistema manguezal, dentre os quais destacamos: desmatamento de mangue em mais de um quarto (26,9%) dos empreendimentos existentes no Ceará, artificialização dos canais de maré e das gamboas e bloqueio dos fluxos das águas, comprometendo o equilíbrio ecológico deste ecossistema.
5.Destrói os meios de trabalho das comunidades tradicionais: por afetar diretamente o ecossistema manguezal, a carcinicultura inviabiliza o exercício das atividades tradicionais como a mariscagem, a cata de caranguejo e a pesca, impactando fortemente as mulheres que realizam a mariscagem. Enquanto 1 hectare de fazenda de camarão emprega, no máximo, 1 pessoa, em cada hectare de manguezal preservado trabalham 10 famílias.
6.Ameaça à segurança alimentar: a implantação de viveiros em áreas de manguezal reduz a capacidade de produção de alimentos associada a esse ecossistema que funciona como berçário da vida marinha, local de alimentação, abrigo e reprodução para 75% das espécies pesqueiras que colaboram para a soberania alimentar e sustentam a produção de pescado do Brasil. Além disso, para produzir 30 toneladas de camarão, a carcinicultura consome 90 toneladas de peixes marinhos para fabricação de ração. Esta produção de camarão é destinada, em sua grande maioria, ao mercado internacional e, mais recentemente, para abastecer os mercados dos centros urbanos.
7.Agrava o racismo ambiental: a atividade gera lucros exorbitantes para uma minoria (formada, principalmente, por homens brancos e ricos) e danos para a população mais pobre (composta em sua maioria por descendentes de negros e indígenas) que vivem em comunidades tradicionais. Enquanto uma minoria se apropria dos benefícios do “crescimento”, são externalizados ou transferidos à sociedade altos custos sociais e ambientais. Ou seja, a atividade proporciona luxo para os ricos e deixa para os pobres o lixo, os custos e os riscos da degradação ambiental.
8.Descumpre a legislação ambiental: a maior parte dos empreendimentos de carcinicultura, no Estado do Ceará, apresenta situação de irregularidade frente ao licenciamento ambiental, já que 51,8% dos empreendimentos em instalação, em operação ou desativados são irregulares.
9.Ocupa Áreas de Preservação Permanente - APP´s (Código Florestal Lei 4771/65 e Resolução CONAMA 303/02): a ocupação de APP´s é observada na maioria dos empreendimentos estabelecidos no Ceará, representando 79,5% das áreas onde esta atividade é desenvolvida.
10.Privatiza Terras da União: a implantação de viveiros de camarão normalmente é realizada em áreas que eram utilizadas para a pesca, mariscagem e uso de produtos da flora do mangue (cascas, tanino) por parte das comunidades tradicionais. No lugar destas atividades, a carcinicultura se introduz, tendo como marca principal a colocação de cercas em torno dos viveiros, impedindo o acesso de pescadores/as, agricultores/as, índios/as e marisqueiras às áreas ainda disponíveis para o extrativismo.
11.Contamina a água: o lançamento de águas, provenientes dos cultivos, no solo, nas gamboas e nos estuários é responsável pela contaminação do lençol freático e alteração da qualidade da água, ocasionando a mortandade de peixes e caranguejos. No Ceará, 77% dos empreendimentos não utilizam bacia de sedimentação (tratamento de água) e 86,1% não reciclam água. Além disso, muitos viveiros são construídos sobre aqüíferos, causando a salinização das águas, inutilizando- as para o consumo humano e destruindo as possibilidades da pequena agricultura ser desenvolvida pelas comunidades.
12.Privatiza e gera conflitos pelo uso das águas: segundo a FAO, para cultivar 1 Kg de camarão em cativeiro são necessários pelo menos 50 mil litros de água. Estima-se que as fazendas situadas no rio Jaguaribe consomem, anualmente, 58.874m/ha de água doce, vale dizer que essa demanda hídrica representa mais do que o consumo das principais culturas irrigadas do Baixo Jaguaribe (arroz e banana). No entanto, o valor cobrado aos carcinicultores pelo uso da água é de apenas 2% do valor real. Mesmo pagando tão pouco pela água, os empresários deste setor somam, atualmente, uma dívida de aproximadamente R$735.950,00 com a COGERH, alcançando um índice de 98% de inadimplência junto a este órgão.
13.Utiliza inadequadamente os recursos públicos: recursos que deveriam ser investidos na melhoria da qualidade de vida das populações são destinados ao desenvolvimento de uma atividade altamente predatória e socioambientalmente insustentável .Instituições financeiras como o Banco do Nordeste, Banco do Brasil e BNDES já disponibilizaram milhões de reais para os empreendimentos de carcinicultura. Em 2005, o Banco do Nordeste investiu R$ 59,4 milhões nesta atividade. Além do financiamento, os carcinicultores ainda recebem subsídios de água e desconto de 73% na tarifa de energia elétrica de 21h30 às 06h do dia seguinte.
Atualmente, a carcinicultura vive uma grave crise econômica agravada por problemas ecológicos como o surgimento de doenças virais nos camarões cultivados, a exemplo da mionecrose muscular (Myonecrosis Infectious Vírus – IMNV). Esta crise reflete um ciclo produtivo de desenvolvimento caracterizado pela insustentabilidade, o que fez com que a atividade, antes apresentada como uma das mais lucrativas da economia brasileira, entrasse em colapso, num processo de decadência e falência, expresso, dentre outros fatores, no abandono dos viveiros: no Ceará, 70% das fazendas de camarão foram abandonadas. Mesmo diante dos fatos, o discurso hegemônico dos governos e poderes econômicos continua alardeando esta atividade como “motor de desenvolvimento".
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