Estou trazendo à tona essa questão devido a instalação da Usina Siderúrgica que deverá ser implantada em São Gonçalo do Amarante, aqui no Ceará. Os investimentos estão na ordem de US$ 700 milhões. Entretanto, o terreno onde se pretende instalar a usina, possui moradores da tribo Anassés que pedem a demarcação de terras no local, um “entrave” para a política desenvolvimentista do estado. Todavia, quero mostrar um ponto de vista diferente do que a maioria das pessoas andam falando por aí.
Toda vez que é tocado no assunto de índios no Brasil, o velho discurso etnocêntrico vem à tona. O argumento que mais ouço, principalmente sobre alguma tribo que tem mais contato com os brancos, é o que diz que eles não são mais índios, que estão misturados demais com os brancos, que vivem como brancos, vestem-se como os brancos e outras coisas mais que, aparentemente, deveriam ser coisas só de brancos. Índio mesmo, para muitas pessoas, é aquele que anda nu, vive isolado nos longíquos labirintos das florestas sem contato algum com os brancos e mora em ocas feitas de palha.
Pois bem, não as culpo de todo, pois essa é a visão que é nos passada na escola. É essa visão que nos é passada em casa. Crescemos e continuamos a repassar essa ideia etnocêntrica para as próximas gerações sem ao menos pararmos para refletir se tal pensamento é realmente válido. E assim, sem refletir e em nome do “progresso” e do “desenvolvimento”, a cada geração, as tribos indígenas e outras etnias continuam a desaparecer juntamente com os nossos biomas. Como argumenta belamente Carlos Walter Porto-Gonçalves (2004),
“não nos surpreendemos, portanto, quando nos vemos diante do triste espetáculo da miséria e devastação, quando tentam nos impor uma lógica única da mercantilização generalizada. Tenta-se dessa forma suprimir as múltiplas visões construídas por diferentes povos, que nos oferecem espetáculo de diversidade cultural proporcionado por uma mesma espécie biológica – a espécie humana -, o que nos faz ver que junto com o aumento da poluição das águas e do ar e da devastação dos solos e das espécies temos a extinção de diferentes povos e culturas. Há autores, como etnobiólogo mexicano Vitor Toledo, que associam as perda da diversidade biológica à diminuição do número de línguas faladas no planeta.”
Os argumentos etnocêntricos que citei acima podem ser facilmente rebatidos. Basta perguntar se uma pessoa deixa de ser cearense se adquirir o hábito japonês de comer sushi. Ou se, na “terra do futebol”, alguém deixa de ser brasileiro por não gostar do esporte. O mesmo acontece com as etnias indígenas. Elas não deixam ser o que são por adquirirem hábitos de outra cultura. A cultura é dinâmica. Ela recria-se através de contatos e trocas com outras culturas. É impossível querer que uma civilização seja a mesma de 500 anos atrás, principalmente, após os bárbaros extermínios e imposições culturais que as diversas etnias foram e são submetidos pelo dito civilizado homem branco.
Infelizmente, devido ao imperialismo – português, inglês, francês e americano - que o Brasil sempre sofreu e nega-se a se libertar, a cultura de fora é sempre mais valorizada do que a nossa própria cultura. Não pecebemos que o nosso valor vem da nossa cultura, e que o Brasil tem o privilégio de possuir diversas, mas que muitos idiotas abrem a boca para falar que nós não temos cultura ou então, faturam alto para empurrar enlatados de outros países. Esses idiotas não entendem que a cultura não se restringe somente à festas e as comidas típicas que aprendemos na escola. A cultura está presente na sua forma de olhar o mundo, na maneira eu que você se senta e anda, na maneira que você olha para outras pessoas, nas representações que criamos do mundo, do conhecimento que criamos do que está ao nosso redor - que infelizmente, na nossa cultura, foi quase que totalmente substituída por uma visão cientificísta de conhecimento. Por isso que a solução para a Siderúrgica não é simplesmente mudar os Anassés para outra localidade. Despreza-se o impacto que haverá sobre a organização social dessa comunidade. Geralmente, estas comunidades estão profundamente ligadas socialmente, religiosamente, politicamente , economicamente, culturalmente e historicamente ao ambiente onde vivem, ao ambiente que construíram. Só para exemplificar o que acontece com a mudança de comunidade, basta ver o que aconteceu com a sociedade da cidade de Jaguaribara, cidade do interior do Ceará, hoje submersa sob Açude do Castanhão. A depressão atingiu a população, várias pessoas morreram, e hoje, na cidade nova, a renda da população vem das aposentadorias e do programa Bolsa Família, bem diferente da renda que vinha do comércio e da agricultura da cidade antiga. Após 10 anos da construção do açude, os benefícios prometidos ainda não chegaram para os habitantes da cidade de Jaguaribara.
Sem dúvidas, é preciso sim, trazer o desenvolvimento para os estados brasileiros. Entretanto, deve se pensar que tipo de desenvolvimento estamos falando. Suplica-se que esse desenvolvimento não seja submetendo as diversas etnias e destruindo florestas, em favor, exclusivamente, da lógica mercantilista.
Essa é mais uma amostra da complexidade do desafio ambiental. Aparentemente, disciplinas que se encontravam separadas, como a Antropologia e a Engenharia, hoje, o desafio ambiental obriga-nos a juntá-las para encontrar a melhor solução para os problemas. Olvida-se que nos relatórios EIA/RIMA deve conter os impactos físicos, biológicos e sociais, não somente isolados, como nas suas múltiplas interações. É uma pena que algumas pessoas ainda não se deram conta disso. Mas o blog está aqui tentando cumprir essa função de alerta.
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